O jovem rico e a vida eterna, uma missão de confiança e renúncia
26/01/2025
A narrativa de Jesus e o jovem rico, registrada em Mateus 19.16-30, propõe mais que um contratempo que ocorreu na última caminhada de Jesus para Jerusalém. O objetivo de Mateus é permitir a nós, leitores, ouvirmos as conversações dos personagens e nos convidar a refletir ou emitir algum juízo da história. Ele nos permite ver a história verticalmente; ou seja, ver como Deus oniscientemente a vê. Ele nos permite saber o que o personagem está pensando ou por que ele está reagindo daquela maneira. E então nos leva a tirar conclusões, aplicações, respostas ou lições de vida do texto.
Sobre essa passagem, faremos uma análise literária do texto, que tem sido uma ferramenta a mais para ajudar na interpretação histórica e gramatical de textos mais complexos. Creio que essa ferramenta literária não deve ser exclusivista, nem mesmo ignorada, mas sim acrescida a estudos de textos sagrados. É evidente que alguns autores bíblicos possuíam conhecimento de retórica e literatura de sua época, faziam uso amplo de recursos didáticos e literários como parábolas, discursos, sermões, poesias, cânticos, narrativas e cartas para se comunicarem.
O encontro de Jesus com o jovem rico
Mateus narra esse encontro de maneira atraente e imparcial. Ele não tece julgamentos a respeito do jovem, apenas informa aos leitores que aquele rapaz, após ter sido testado por Jesus, “retira-se triste, por ser dono de muitas propriedades” (19.22). Não é necessário registrar na história a resposta do jovem diante do pedido “difícil” (19.23) de Jesus. Frente à dificuldade de atender as exigências de Jesus, ele sai de cena frustrado consigo mesmo. Aquele “alguém” (19.16) que aparece subitamente no início da história, agora desaparece também de forma súbita.
Entretanto, a saída de cena do jovem rico não constitui o fim da história. Pelo contrário, o clímax vai aumentando e o narrador tem muito mais a mostrar. Ele quer levar o leitor a uma reflexão sobre aquele incidente ocorrido durante o ministério de Jesus na Judeia. A reflexão que levou os discípulos a questionar: “sendo assim, quem pode ser salvo?” torna-se o ponto de partida para um novo desenvolvimento da narrativa.
Em seguida, Jesus ilustra esse episódio introduzindo uma pequena parábola onde um camelo (o maior animal da Palestina) tem a impossível missão de passar pelo fundo de uma agulha de costura; Jesus leva o leitor a uma reflexão teológica sobre a impossibilidade humana de conquistar o céu por seus próprios méritos. Ao leitor resta a conclusão que não é apenas “difícil” conquistar a salvação, mas “é impossível aos homens”!
O narrador inspirado nos revela o espanto dos discípulos após ouvirem esse duro discurso de Jesus (19.25). A questão é que os discípulos e muito judeus daquela época pensavam que a riqueza era um sinal da aprovação divina; assim como foi com Abraão, Jó, Davi e outros ricos do Antigo Testamento. Acreditavam que quanto maior a sua riqueza, maiores seriam as obras de caridade e, consecutivamente, maior seria o seu galardão – estavam seriamente equivocados.
Então, Pedro, em nome dos discípulos diz: “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós?” (19.27). Agora ele quer saber: se renunciamos a tudo aquilo que mais amávamos para seguir o Mestre, então, qual será a nossa recompensa?
Jesus, o herói da história
No primeiro cenário, em que o jovem indaga Jesus a respeito da sua tentativa de entrar no reino de Deus, Jesus destaca-se como o herói da história, pelo fato de ter a missão de mostrar o verdadeiro caminho para alcançar o céu. O jovem, pois, estava equivocado quanto a sua religião. As suas intenções eram de fato reais e sinceras, mas incompletas. Ele tentava obedecer aos mandamentos para alcançar a perfeição – não sabia ele que a perfeição era impossível aos homens. Somente Jesus, o Deus-Homem, conseguiu obedecer toda a Lei por nós. Então, Jesus lhe aplica um teste: a missão de amar a Deus acima de tudo; e ele então fracassa.
No segundo cenário, o rico sai de cena e entra Pedro, juntamente com os discípulos, que são aqueles que receberam fé para abandonarem família e propriedades com o propósito de seguirem a missão de Jesus. São eles que recebem o consolo do Mestre com as palavras: “vós, que me tendes seguido, também vos assentareis em doze tronos e julgareis as doze tribos de Israel” e ainda diz que receberiam cem vezes mais aqui e na vida eterna (19.28). Eles, sim, alcançariam a vida eterna.
Na segunda parte do versículo 16, encontramos o início da tensão, quando Mateus registra: “Mestre, que farei eu de bom para alcançar a vida eterna?”. A partir dessa pergunta, até ao final da narrativa, as tensões irão girar em torno da mesma questão, que será solucionada no ápice da trama: como alcançar a vida eterna? A tensão cresce ainda mais nos versículos 23 e 24, quando Jesus explica a situação e ilustra com a Parábola do Camelo e da Agulha. A reação dos discípulos revela a gravidade da questão ainda não solucionada. O narrador explicita que eles “ficaram grandemente maravilhados e disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo?” (v. 25).
Com essa declaração de angústia, chegamos ao ponto mais alto da narrativa. A tensão chega agora ao ápice do conflito. E o leitor se prende na trama (também em angústia juntamente com os discípulos) para tentar compreender quem realmente pode ter a vida eterna. Todavia, para a alegria do leitor, o nosso Senhor Jesus traz a resolução da história.
Confiança, renúncia e a vida eterna
O jovem rico confiava na sua própria boa conduta, mas não confiava no “bom Mestre” Jesus para capacitá-lo a renunciar sua riqueza. Confiança e renúncia são as palavras-chaves em questão. Renúncia é o que faltou naquele pobre rico, que decidiu não renunciar seus bens. Confiança é a atitude louvável dos discípulos, que deixaram tudo. Confiança e renúncia são as posturas que Jesus espera de nós, hoje, diante dessa narrativa, para cumprirmos assim a sua missão.
O conflito começa a ser solucionado. No versículo 26 temos o início da resolução do enredo. O desfecho é um momento de alívio e felicidade para os discípulos. A angústia deles por saber quem pode ser salvo está chegando ao final. Jesus confirma que é impossível aos homens; mas em seguida, conforta-os dizendo que “para Deus tudo é possível” (v. 26).
Assim, somos hoje também confortados e consolados pelo nosso bom Mestre Jesus. Podemos, sim, ter a vida eterna, mas somente pela graça e confiança nele. Através dessa maravilhosa história bíblica, Deus quer nos levar a uma reflexão teológica mais profunda em relação à vida: o que realmente vale a pena? O que realmente importa? Qual a prioridade? Onde está o meu tesouro?
Esse é o desfecho dessa emocionante narrativa apresentada por Mateus, aos seus leitores de todas as épocas: Jesus exige exclusividade no seu discipulado e missão. O amor do discípulo pelo seu Mestre não pode ser parcial. Devemos buscá-lo em primeiro lugar. Não podemos servir a dois senhores. O seguidor de Jesus deve estar disposto a renunciar tudo (aquilo que mais ama) para provar o seu amor ao Mestre – até a própria vida, se necessário for. Esse é o preço do discipulado cristão, esse é o preço da missão. Você pagaria esse preço? Renunciaria tudo para seguir Jesus e a sua missão? Pense nisso.
Rev. Cláudio Gonçalves
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