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Missão como expansão do reino e da adoração

31/08/2023

É comum pensarmos na missão à luz da chamada “grande comissão”, usando como lentes interpretativas versículos chaves dos quatro evangelhos, quase sempre orbitando entre o “enviar” e o “fazer discípulos”, o “proclamar” e o “testemunhar”. A partir dessas lentes hermenêuticas, busca-se base veterotestamentária, entendendo o chamado de Abraão em Gênesis 12 como a “grande comissão do Antigo Testamento”. Não há erro nessa compreensão, mas existem outras interessantes abordagens.

Autores como Gregory Beale, Mitchell Kim e Chun Chung, à luz da literatura do Antigo Oriente Próximo, têm nos chamado a atenção para uma teologia bíblica da missão que começa não no pós-queda, mas na narrativa bíblica da criação, revelando o propósito eterno de Deus anterior à queda e que permanece inalterado à despeito da mesma.

Gênesis 1.27-28 revela:

“Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: — Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra e sujeitem-na. Tenham domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.”

Expandindo o Reino

“Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra” é o propósito inicial do Criador para os seres humanos e, curiosamente, também para os animais, conforme o versículo 22. Os humanos, entretanto, têm dois diferenciais.

O primeiro é que somente eles foram constituídos “imagem de Deus”, expressão que no Antigo Oriente Próximo trazia a ideia de representatividade. O Deus-Rei soberano estabelecia os humanos como seus vice-regentes na sua criação.

O segundo é que somente eles receberam a autoridade para “sujeitar” e “dominar” a terra. Ambas essas palavras são usadas no Antigo Testamento em contexto de realeza, de governo. Descrevem reis ou imperadores expandindo seu governo e, para isso, sujeitando novas terras e estabelecendo nelas seu domínio. Sendo nossos pais os representantes do Deus-Rei, estabeleceriam não apenas o domínio dos humanos sobre o restante da criação, mas, sim, expandiriam o domínio do Criador sobre sua criação, multiplicando as imagens vivas e andantes de Deus sobre a terra. “Domínio”, nesse texto, é a ideia inicial do que no Novo Testamento veio a ser amplamente difundido como “reino de Deus”. Há aqui um comissionamento real, de se expandir o “domínio/reino de Deus” do Éden ao restante da terra.

A ideia de expansão vem do “encher a terra”, que ao longo das Escrituras recebe diferentes formas, mas relevando sempre o mesmo propósito. Em Gênesis 12.3, o “encher a terra” é expresso como “todas as famílias da terra”; em 18.18 como “todas as nações da terra”; em Êxodo 19.5-6 “todos os povos”; em Salmos 117.1 “todos os gentios”; em Sofonias 2.11 “todos os povos das nações”; em Isaías 49.1-6 “até os confins da terra”.

É nesse fio condutor que Jesus afirma em Mateus 24.14: “E será pregado este evangelho do Reino [domínio] por todo o mundo [encher a terra], para testemunho a todas as nações [encher a terra]”. Assim como em Mateus 28.19, “façam discípulos de todas as nações”, e em Marcos 16.15 “Vão por todo o mundo e preguem o evangelho a toda criatura”. Em Atos 1.8 a ideia de expansão fica definitivamente clara com o “serão minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra”, citando-se a expressão antes usada por Isaías. E em Apocalipse 5.9, no desfecho cósmico da história, estão aqueles que “procedem de toda tribo, língua, povo e nação”. O domínio/ reino encheu a terra.

Expandindo a adoração

Em Gênesis 2.15, nossos pais recebem uma segunda faceta do mesmo propósito:

“O SENHOR Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.”

“Cultivar” vem de um verbo traduzido a partir de Gênesis 4, ao longo de todo o Antigo Testamento, como “cultuar, adorar, ministrar e servir”. “Servir” no sentido litúrgico de culto, como em Salmo 100.2: “Sirvam ao SENHOR com alegria, apresentem-se diante dele com cântico”.

“Guardar” é usado para “guardar” o sábado, a Lei e os mandamentos do Senhor. As duas palavras juntas ocorrem outras dez vezes no Antigo Testamento, invariavelmente se referindo ao serviço dos levitas e sacerdotes no templo, no sentido de cultuar, ministrar, servir e guardar o santuário.

“Cultivar” e “guardar” são, portanto, palavras do campo semântico litúrgico. No Éden não seriam apenas ações de lavrar e proteger, mas, sim, lavrar e proteger como atos de adoração ao Criador.

Se em Gênesis 1.27-28 temos um propósito real de expandir o domínio/reino de Deus, em Gênesis 2.15 temos um propósito sacerdotal de expandir seu culto/adoração do Éden até os confins da terra. Adão foi constituído um rei-sacerdote no Éden, que era o templo-palaciano de Deus-Rei aqui na terra, com o propósito eterno de expandir seu reino e sua adoração.

Eis aqui o fio condutor da teologia bíblica da missão que percorre de uma a outra “borda” das Escrituras. A primeira borda são os dois primeiros capítulos de Gênesis e a segunda os dois últimos capítulos de Apocalipse, os únicos capítulos da Bíblia onde o pecado não está presente. Nos primeiros, ele ainda não entrou na história humana. Nos últimos, não mais existe. Entre uma e outra borda, temos o palco da redenção, onde o reino e a adoração estão em processo de expansão do Éden aos confins da terra.

Reis e sacerdotes

Propósito é algo que nos atribui identidade e exatamente isso ocorre na história redentiva. Já em Gênesis 14.18-20, aparece a incógnita figura de Melquisedeque, que é ao mesmo tempo “rei de Salém” e “sacerdote do Deus Altíssimo”. Em Êxodo 19.5-6, Israel é referido como “reino de sacerdotes”. As figuras do rei e do sacerdote percorrem as páginas de todo o Antigo Testamento e Zacarias 6.3, profetizando sobre o Messias, afirma que “Ele se assentará no seu trono, e dominará e será sacerdote no seu trono; e reinará perfeita união entre ambos os ofícios”, ou seja, entre os ofícios de rei e de sacerdote. Não por acaso Jesus vem exercendo ambos esses ofícios, “segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 7.17), e 1 Pedro 2.9 atribui os mesmos agora à Igreja: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real”.

No desfecho da história, lá está a multidão dos redimidos, que ninguém pode contar, vindos “de todas as nações, tribos, povos e línguas”, ou seja, encheram a terra. Eles estão “em pé diante do trono e diante do Cordeiro”, veja aqui o domínio/ reino, “vestidos de vestes brancas, com ramos de palmeira nas mãos. E clamavam com voz forte, dizendo: “Ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação”, veja aqui o culto/adoração (Ap 7.9). Apocalipse 5.10 ainda é mais claro, afirmando sobre os redimidos: “para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra”.

Reinado e adoração cósmica

A primeira borda da Bíblia nos fala do Éden como um jardim-templo, no meio do qual estavam as árvores “da vida” e “do conhecimento do bem e do mal”. E “um rio saía do Éden para regar o jardim”, rico em ouro e pedras preciosas (Gn 2.8-14).

Na segunda borda da Bíblia, o jardim-templo se tornou numa cidade-templo, rica em ouro e pedras preciosas, com o “rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro”, em cujas margens está a “árvore da vida”, cujas folhas “são para a cura dos povos” (Ap 21.9-22.5).

Um detalhe ainda é muito significativo. Diz o texto que a cidade-templo Nova Jerusalém é cúbica, em forma de um quadrado com 12 mil estádios de comprimento, largura e altura (Ap 21.16). Uma provável referência ao Santo dos Santos do templo de Salomão, que era igualmente cúbico, com 9 metros de comprimento, largura e altura (1 Rs 6.20). Ou seja, na expansão do reino e da adoração, o Santo dos Santos se expandiu até encher toda a terra, cumprindo a profecia de Isaías 11.9 e Habacuque 2:14: “Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar”.

A expansão do reino e da adoração ao Senhor é inevitável, pois se trata de um propósito eterno não interrompido pela queda, nem impedido por qualquer rebelião humana. Participar desse propósito eterno é um privilégio que nos dá sentido existencial.

Que em nós, e através de nós, o Senhor seja adorado, seu povo edificado e seus eleitos redimidos para Sua própria glória.

Soli Deo Gloria

Rev. Cácio Silva

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