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Uma igreja missionária

19/07/2023

Creio que para que uma igreja se torne missionária, ou seja, uma igreja cujo envolvimento com a obra missionária seja um envolvimento orgânico, natural, compartilhado por toda a comunidade, é preciso que: a) primeiro se corrija algumas ideias equivocadas sobre a missão; b) se construa fundamentos bíblico-teológicos sobre a missão e c) se invista na construção de estruturas de ação dentro da igreja para ir da teoria para a prática.

Neste texto, falaremos apenas do primeiro ponto. Vamos falar sobre como se desfazer dos três principais mitos relacionados à participação da igreja com projetos missionários, especialmente, transculturais.

O texto de Atos 8.4 diz: “Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra.” Esse texto nos ajudará a corrigir alguns mitos sobre a obra missionária.

  • Eles eram crentes comuns
  • Dispuseram tudo o que tinham para testemunhar de Jesus e...
  • Essa ação foi bastante benéfica para a igreja mãe em Jerusalém.

Vejamos, então, os três principais mitos sobre a missão transcultural:

MITO 1 - O MISSIONÁRIO É UMA PESSOA ESPECIAL, DIFERENTE DO MEMBRO COMUM

Esse é o mito mais popular quando se trata de missão transcultural. A ideia de que o missionário é “um tipo de crente especial”, um Indiana Jones da fé, uma pessoa com capacidades especiais e que é tão distinta dos “crentes normais” ao ponto de estimular a ideia de que a missão é feita apenas por valentes, guerreiros e desbravadores. A verdade é que transformar missionários em heróis é o primeiro passo para que uma igreja deixe de ser missionária (ou que nunca chegue a sê-lo). Isso porque essa postura tira a responsabilidade da igreja para com a missão, pois ela “seria” incapaz de fazer missão, precisaria desses desbravadores para que façam missões por ela. Assim começa a “terceirização da obra missionária”.

Essa visão também afasta a igreja da realidade do campo. Ao idealizar a imagem do missionário, a igreja também idealiza o campo. O campo deve ser obrigatoriamente um lugar difícil de viver; o missionário e sua família devem ser modelos ideais de perfeição ante ao sofrimento - e devem sofrer muito. Sem sofrimento o missionário não se converte em herói e se não é herói, não é missionário. Essa é a razão porque muitas igrejas se sentem muito mais compelidas a colaborar financeiramente com missionários que se encaixam nesse perfil.

Mas a verdade é que a missão é feita por discípulos e não por heróis. O missionário é um discípulo de Jesus como qualquer crente da igreja local. Tal qual como vemos em Atos 8.4, gente comum que pregava a palavra por onde ia.

Já se falou exaustivamente que todo crente comum é um missionário, mas para entender melhor esse conceito, devemos reconhecer que todo missionário é um crente comum. Missionário também tem unha encravada, problemas no casamento, filho que dá chilique na rua, todos esses problemas, frustrações e realidades que qualquer pessoa tem.

Entender o missionário como “gente como a gente” nos aproxima da realidade dele no campo, dando à igreja uma maior empatia para com o missionário. Esse entendimento também faz com que cada um dos membros se veja no lugar do missionário e se projete a si mesmo na ação missionária de alguma forma, pois na verdade não é necessário ser herói para fazer missão. Basta ser crente.

MITO 2 - FAZER MISSÃO É DAR DINHEIRO PARA O MISSIONÁRIO

Dinheiro sempre é um tema delicado. A relação entre missões e finanças é complexa e muitos crentes e igrejas acreditam que pelo simples fato de participarem financeiramente em algum projeto missionário, eles estão automaticamente e completamente fazendo missão. Ou seja, TUDO que uma igreja ou pessoa pode fazer para a obra missionária é dar dinheiro ao missionário. Como se essa fosse a única necessidade do campo, como se a culpa pela não propagação completa do Reino no mundo fosse falta de dinheiro. Isso também leva as igrejas a rejeitarem envolvimento com projetos missionários, por considerarem que não têm dinheiro suficiente.

Os recursos financeiros são essenciais para a manutenção da obra missionária, claro, e uma igreja não está obedecendo totalmente sua vocação missionária enquanto não participa também financeiramente da missão. A questão aqui não é se envolver ou não financeiramente, mas sim as motivações que levam a esse envolvimento.

É equivocada a ideia de que o missionário só precisa de dinheiro. O que o missionário mais quer é que a igreja local se apaixone tão decididamente pela ideia de ver convertidos nos campos missionários que se lance por completo nesse propósito, participando com o missionário com todo seu esforço emocional, espiritual e financeiro. O que se espera é que o compromisso financeiro da igreja com o projeto missionário seja o resultado do compromisso com a glória de Deus entre as nações, com a conversão dos povos e a expansão do Reino.

Sempre que existir um real compromisso com a glória de Deus entre as nações, e paixão por ver vidas salvas e transformadas nos campos, a igreja irá, de uma forma ou de outra, se envolver tanto emocional, espiritual quanto financeiramente. Essa deve ser a motivação.

MITO 3 - ELES PRECISAM DE NÓS, MAS NÓS NÃO PRECISAMOS DELES

Parece ser um exagero, mas ainda que inconsciente, esse mito permanece no imaginário de muitas pessoas e igrejas. A ideia consolidada é de que o campo precisa do apoio da igreja local, mas a igreja local não carece de nenhuma necessidade que o campo possa suprir.

Esse pensamento favorece uma noção de superioridade da igreja que envia em comparação com o campo missionário. Além disso, facilita a negativa de muitos em se envolver na missão, porque, segundo essa (falta de) visão, não se envolver com a obra missionária não prejudica em nada a igreja local. Se puder faz, mas se não puder, não tem problema.

Mas tem problema sim! Sem contar com o fato de que a missão é uma ordem de Jesus, logo uma obrigação para a igreja, e que a dedicação missionária é expressão da saúde do evangelho numa igreja local, o envolvimento com a obra missionária, se feito de maneira correta, pode ajudar, e muito, o desenvolvimento da igreja que envia.

Vejamos: A obra missionária está na vanguarda do estudo cultural e na comunicação do evangelho. Para cumprir com sua tarefa, o missionário precisa estudar e muito o povo que deseja alcançar. Isso é o tipo de tarefa que toda igreja precisa fazer. Para alcançar a atual geração é preciso estudá-la, conhecê-la, para identificar os pontos de contato por meio dos quais apresentaremos o evangelho. Se a igreja brasileira quiser abandonar as análises superficiais de sua própria cultura, e realmente entender o pensamento do não cristão, ela precisa olhar um pouco para o que os missionários estão fazendo no aspecto do estudo da cultura e aprender com essas ferramentas.

O testemunho dos crentes alcançados, especialmente em contexto de perseguição, serve de exemplo para renovar nossa espiritualidade. Quando olhamos com atenção para como estão vivendo os crentes ao redor do mundo, suportando a perseguição sem abandonar o evangelho, ou até mesmo caminhando dezenas de quilômetros para participar de um culto, nossa prática é questionada e nossa espiritualidade revigorada. A igreja precisa desse choque de realidade para tirar maior proveito dos recursos que Deus colocou à sua disposição.

O envolvimento da igreja local com projetos missionários é a expressão mais visível de sua obediência missionária. A igreja precisa da missão pelo simples fato de ser essa ação a expressão de sua obediência missionária. Todas as igrejas são chamadas a ser parte da Missão de Deus no mundo e toda igreja local é ao mesmo tempo um lugar de missão. Ela tem um compromisso tanto para os que estão perto como para com os que estão longe. Portanto, a participação da igreja na missão é questão de obediência, e não de preferência.

Só uma correta compreensão do Reino de Deus nos pode livrar de entender a missão como um movimento de mão única, permitindo-nos ver que todos somos parte do plano de Deus, servindo uns aos outros e precisando uns dos outros para completar a tarefa que nos foi dada.

Uma vez que nos livremos dos estereótipos e dos mitos relacionados à missão, poderemos desfrutar não apenas de uma correta obediência missionária, como sermos concretamente abençoados por ela. Aí então podemos começar a construir os fundamentos bíblicos da missão e, como resultado disso, as estruturas eclesiásticas que nos permitam pôr as mãos na obra.

Rev. Amós Cavalcanti

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