
Dentro de tantos assuntos e temas abordados pela Reforma Protestante do sécuo XVI gostaria de refletir sobre o resgate da nossa identidade em Cristo: somos sacerdotes reais!
A primeira vez que lemos em nossas Bíblias a respeito deste assunto foi no deserto quando o povo de Israel sai do Egito e Deus chama Moisés para o alto do monte Sinai para entregar a ele Suas leis.
No livro do Êxodo 19.5-6 lemos assim: “Se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade particular dentre todos os povos… vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa”.
Essa promessa se repete através do profeta Isaías 61.6: “Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus”.
O termo sacerdote e o ministério bíblico do sacerdócio se refere a aquele que se coloca entre os homens e Deus. Aquele que intercede perante Deus pelos homens. Os sacerdotes eram também responsáveis por todos os aspectos do culto, do serviço necessário no tabernáculo e depois no templo. No AT haviam os profetas que traziam a Palavra de Deus aos homens e os sacerdotes que intercediam perante Deus pelos homens.
No NT Jesus Cristo é o grande sumo sacerdote: aquele que intercede pelo seu povo diante do Pai. A carta aos Hebreus expõe claramente a superioridade do sacerdócio de Cristo em comparação com o dos levitas no AT. Cristo, o nosso sacerdote, apresenta na cruz um sacrifício perfeito de caráter definitivo, totalmente eficaz e único, (Hb 2.17; 3.1; 4.14s; 5.10; 6.20; 7:24-27; 9:12,26; 10.12).
No livro do Apocalipse 5:9,10 vemos que com esse sacrifício oferecido pelo sumo sacerdote Jesus, ele agora nos constitui também como sacerdotes: “…e eles cantavam um cântico novo: “Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”.
Essa mesma ideia de sacerdotes em Cristo é repetida outras vezes no NT: 1 Pedro 2:5 e 9; Ap 1:5 e 6…
No Novo Testamento não encontramos o ofício sacerdotal único ou exclusivo na Igreja. O chamado ao ministério sacerdotal é para todos na igreja. Essa ideia do ofício de sacerdote ser restrito a poucos surgiu posteriormente nos escritos apócrifos de Clemente, Tertúlio e Hipólito.
Aos poucos essa verdade bíblica importantíssima onde Cristo nos constituiu raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus foi sendo manipulada e elitizada para somente poucas autoridades da igreja da época poderem a exercer.
Essa ideia é evidente na Idade Média e reforçada pela nova interpretação da eucaristia ou da Ceia do Senhor como um novo sacrifício (transubstanciação) – a repetição do sacrifício de Cristo – o que exigia a presença do sacerdote para o sacrifício. Além disso, a noção de que os sacramentos são canais exclusivos da graça de Deus e só podem ser ministrados através dos sacerdotes deu à igreja daqueles dias um enorme poder de controle sobre as vidas e almas dos fiéis.
Com essa nova prática o evangelismo clássico de compartilhar a Palavra de Deus e de testemunhar o poder regenerador de Cristo sobre toda a criação foi substituído pelo uso do “interdito” (medo), da espada e da força. As nações vencidas ou invadidas eram forçadas a se submeter ao poder do novo rei e da igreja e o povo não ousava contestar o clero por medo de perder a salvação.
Um dos benefícios da Reforma foi o resgate do sacerdócio de cada cristão. A redescoberta desta e outras doutrinas bíblicas se espalharam rapidamente pela Europa graças à invenção da imprensa. Inúmeros exemplares da Bíblia nas línguas: Alemão, Francês, Inglês e o NT em Grego, além de exemplares de transcritos de debates e escritos teológicos de Martim Lutero, de João Calvino entre outros, passam a circular rapidamente entre os cristãos protestantes por quase toda Europa.
Em pouco tempo o chamado sacerdotal de todo cristão volta a ser praticado pelos leigos em todos os lugares mesmo sob dura perseguição. Uma nova onda nas atividades missionárias surgem como consequência. Os efeitos dessa redescoberta da nossa vocação em Cristo impulsiona os reformadores a treinarem com urgência novos pastores, plantadores de igrejas, líderes e missionários que partem para todos os cantos do mundo levando as Boas Novas da salvação.
Missões não é apenas uma tarefa a ser cumprida. Missões é a nossa identidade em Cristo. Amém!
Rev. Paulo Sicoli